30 de março de 2012

À parte


Por que deveria eu me importar
com a sucessão dos dias
e das horas?
Quando deste mundo
eu não pertenço?

E me importar com as noites
e os dias desperdiçados
se de nada me servem
as pressões da vida humana?

26 de março de 2012

Morena

Se não é a cor do café
com
leite
que faz-me lembrar
de sua pele morena,
culpe o marrom
dos biscoitos de
chocolate
com
amendoim!

18 de março de 2012

Pensamento Pueril

Sempre pensei que a vida
fosse colorida,
exatamente como eu desenhava
quando era criança.


Não sabia que a vida era assim
em preto
e branco,
as cortinas se fechando
anunciando o meu fim.

13 de março de 2012

Deixem o Zé em paz!

Famoso sou eu.
Em cada canto,
Em cada verso
Meu nome dança
“Oh, Zé! Oh, Zé!”

Na boca de poetas,
Em letreiro de ônibus,
Na fofoca do povo,
Na boca de escritores anônimos.

Até pseudo-intelectuais me chamam,
Para falar de coisas que eu não perguntei,
Não dou à mínima e depois reclamam
Se eu jogo-lhes na cara o que sei.
Ora, mas não imaginam o nó de gravata que merecem!
Apenas Lispector e C. F. Abreu conhecem.

Pouca gente sabe do meu amigo,
Que o ceifeiro já deu cabo,
Drummond achou que eu tivesse morrido.
Morri e revivi com essa gente me invocando feito diabo.

Virei íntimo de tanta gente,
Sem vontade alguma,
Agora de pessoas atrás tenho uma enchente,
Tempo bom era quando eu vivia na penumbra.

Se me contam segredos,
Se choram em meu ombro
Ou se me esbofeteiam.
Riem comigo
E choram
E gritam.

Chamam meu nome
Centenas de vezes mais.
“Oh, Zé! Oh, Zé!”.

Acordam-me na madrugada,
Não escutam nem o que eu digo,
Não me deixam lavar a cara,
Só querem falar em meu ouvido.

Da paciência o poeta me suga,
Cansei desse papo de coração alheio,
Prefiro que em mim nasça verruga,
Bato o pé, já disse que não sou conselheiro.
Essa gente só me abusa,
Colocam meu nome em cada texto,
Do nada virei musa.

Quero ver quando eu for ao cartório,
E num pé só eu voltar,
Deixo que façam um velório,
Pois nada poético meu novo nome será!

9 de março de 2012

Alguns dias são mais chatos que outros.



Do outro lado da janela o sol parecia mais brilhante e mais quente. Eu o vi através das persianas e fiquei feliz em saber que hoje eu não precisava sair de casa.
Lá fora o cheiro de bacon queimado vagava pelo ar, quando na verdade era cheiro de gente torrada. O sol estava mesmo muito forte.
Eu continuava deitado no sofá de frente para as persianas, alguns filetes de luz atravessavam e caíam repousando em minha barriga. Talvez eu devesse varrer o chão ou fazer a barba, mas estava cansado demais para me levantar.
Eu só queria sentir o cheiro de morango que Sara deixava no ar... Mas ela não aparecia para me ver há meses e também não atendia as minhas ligações. Tentei puxar em minha mente o cheiro dela, mas apenas senti cheiro de bacon queimado.

6 de março de 2012

Batatas-frias


Gabriel tamborilava impaciente os dedos no teclado de seu notebook. Não sabia o que escrever, precisava mandar um artigo para o jornal local, senão ficaria sem o dinheiro para pagar o aluguel de seu apartamento, e desse jeito ficaria devendo mais três meses. Era ruim ter de subir o elevador torcendo para que a senhoria não aparecesse no próximo andar. Entretanto, não sabia o que escrever, sentia-se inválido olhando as tantas letras desenhadas no teclado e nada em sua mente.
Observou rapidamente em volta esperando a garçonete chegar com suas batatas-fritas, mas ela ainda se demorava na mesa vizinha. Toda aquela tensão estava matando-o, e uma vozinha que vinha de dentro dele dizia que as batatas chegariam moles e frias.
Gabriel guardou o notebook na mochila e ficou esperando com os cotovelos sobre a mesa. Era um bocado estranho a vida que tinha: morava num apartamento ruim, seu salário era um fiasco, não tinha amigos e mais ninguém para passar o tempo (tinha o Douglas, um vizinho chato e espinhento, mas ele não contava na lista porque Gabriel nunca gostou da presença dele), não tinha sequer um peixe ou um gato.
Continuou com seus olhos observando o lugar. O porteiro tinha uma cara azeda, comprida demais e um nariz muito fino. Talvez fosse porque ele desejava tanto sumir dali, que seu rosto estava desaparecendo aos poucos. Tsc, besteira. A garçonete era lerda e meio desengonçada sempre parecendo que vai derrubar a bandeja.
A única coisa boa de se olhar naquela lanchonete era uma moça que bebia um frappuccino na mesa da frente. Ela não tinha visto Gabriel em momento algum, e parecia muito concentrada num livro. Provavelmente se tratava daqueles romances lixos que se encontram aos montes por aí vendendo, alguma coisa com um mocinho e uma mocinha, etc.
Gabriel ficou meio enojado, ela perdia alguns pontos por causa do livro, mas ainda era uma coisa boa de se olhar, seu rosto era redondo e tinha uma boca pequena pintada de rosa (o batom deixava marcas no canudo cada vez que ela bebia o frappuccino). A moça havia permanecido imóvel todo aquele momento, até que se mexeu por dois segundos, iluminando os olhos de Gabriel. "Hermann Hesse". Talvez ela seja alguém que valha a pena conhecer.
A moça começou a tamborilar os dedos na mesa e ele pôde notar que ela usava fones de ouvido (antes os cabelos os escondiam), era ritmado e parecia que ela imitava discretamente o som de uma bateria.
Os olhos dele se iluminaram mais. E se ele se aproximasse perguntando qual banda ela estava escutando? Ou perguntando qual era o livro que estava lendo?

Gabriel levantou-se e andou em direção ao banheiro, nunca havia se preocupado com isso antes, mas o seu cabelo estava emaranhado e desleixado. Passou as mãos pelos fios, e quando achou que estava melhor, pôs-se a andar em direção às mesas.
A primeira coisa que notou ao voltar foram as batatas-fritas. Todas douradas e quentes (dava para ver a fumaça). Ele havia se enganado quanto ao lugar.
A segunda coisa é que a moça ainda estava ali, mas ela podia esperar, Gabriel estava com bastante fome para conversar.
Foi quando ele pegou a primeira batata que a garçonete apareceu pedindo desculpas (e chamando-o de senhor!). Aquela não era a porção dele. Aquelas batatas lindas e douradas! Não, a porção dele foi posta na mesa segundos depois. Feias e murchas, provavelmente mornas e sem sal. Eram amareladas e suas pontas eram marrons. Gabriel não sabia como reagir, pois todos os seus pensamentos se desligaram com a rebelião que seu estômago fez. Não comeria aquela porcaria!
Levantou-se sem paciência e falaria umas poucas e boas (frase velha, mas ele não sabia o que pensar na hora) ao gerente daquela droga de lanchonete, mas mudou de ideia quando a moça andou em sua direção e propôs que dividissem as batatas-fritas.
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