25 de janeiro de 2013

Um sopro


Uma voz soprou em meu ouvido.
Eu pensei que estivesse enlouquecendo, pois não havia ninguém em volta de mim.
A voz repetia o que eu ainda não conseguia decifrar. Assim, baixinho, sussurrou ainda mais perto. Eu temi que fosse um fantasma rancoroso atrás de mim ou um demônio zombeteiro, porém em nenhum momento eu realmente acreditei nessas besteiras.
Olhei para espelho e nada vi de incomum, não vi nenhuma boca perto de meu ouvido, mas ainda escutava a respiração fraca e o sussurro quase inaudível.
Prendi a respiração e me concentrei na voz. Eu ainda olhava para o meu reflexo no espelho e pude perceber o quão envelhecida era a minha expressão. Puro cansaço (mas do que?), e eu ainda nem passara dos vinte anos.
O sopro, que antes era uma lamúria, foi ficando cada vez mais alto, até que se transformou num berro. Eu estava delirando. A voz surgia de minha própria boca, e eu implorava na frente do espelho: VIVA!

21 de janeiro de 2013

A Menina e o Camundongo


O sol cobria todo o jardim de minha avó, mas do céu caia uma  chuva fininha e lenta daquelas que aparecem depressa e não vão embora nunca mais.
Eu olhava distraidamente para Susu, a gatinha da minha avó, que brincava perto de um formigueiro. De repente a chuva apareceu, e tive que me refugiar num quartinho que ficava nos fundos do jardim (a gata foi mais esperta e correu a toda velocidade para a casa principal).
Não era um local agradável, o cheiro de mofo impregnava todo o ar, e a poeira me fazia espirrar. Apenas um feixe de luz que vinha da janelinha iluminava o quartinho. Realmente não era nada satisfatório ficar lá dentro, porém logo fiquei entretida com uma porção de gavetas de um armarinho velho. Eu espiava o interior para ver se não tinha nenhuma barata, depois abria e remexia os objetos. Encontrei vários bloquinhos em branco, agulhas de tricô, apitos, um pente de cabelo, um batom roído nas pontas e muitos pares de qualquer coisa.
Sentei-me no chão (no canto menos empoeirado) e suspirei profundamente. Eu só conseguia ouvir o barulho da chuva.
Era demasiado triste querer brincar lá fora e não poder.
Comecei a imaginar se seria possível alagar toda a rua, e se teríamos que viver debaixo de um rio caso a chuva decidisse não parar mais. Pensava comigo mesma que minhas mãos ficariam enrugadas iguais as mãos da minha avó, e que seria difícil bater com as palmas uma na outra de tão gordas d'água. Também não seria fácil tirar um cílio solto, eu poderia acabar arrancando um olho com a mão tão pesada e com os dedos feito esponja molhada. Suspirei longamente após considerar tais possibilidades.
Estava tudo silencioso, tirando o barulho da chuva, quando ouvi um ruído agudo parecido com "tic-tic-tic". Olhei em volta e avistei perto de alguns livros uma meia que se mexia. Não, não se mexia, ela se tremia toda!
Nunca havia visto algo parecido e fui até lá cautelosamente, dizendo:
- Oi, senhora Meia... - eu a peguei na ponta onde se coloca o dedão. Mas logo vi um camundongo que se encolhia todo.
- Por favor, não me mate! - ele gritou com a voz esganiçada e repetiu mais três vezes - por favor, não me mate!
Ainda com a meia entre os dedos, eu pensei comigo mesma: o que é mais improvável? uma meia que se treme toda ou um camundongo falante?
Mas logo tratei de acalmá-lo, antes que seu coração minúsculo saísse pela boca.
- Não matarei você, na verdade, eu tenho muito medo de ratos.
Ele tirou as patinhas do focinho e me olhou profundamente.
- Você não é um gato?
- Não mesmo!
- Ufa! - ele exclamou e imediatamente parou de se tremer todo - então me diga, que barulho todo era aquele que ouvi agora há pouco?
- Ah! Eu estava suspirando tão alto assim?
- Eu pensei que fosse um gato e achei que fosse morrer! - ele colocou a patinha sob o peito na direção do coração, depois se aquietou - e por que estava suspirando?
- Eu imaginava como seria sofrido... - não pude terminar de falar, pois o camundongo interrompeu-me com um "tic-tic" alto.
- Pode, por favor, devolver o meu pedaço de pão? - ele parecia estar um pouco ansioso - guardei nessa meia que está na sua mão.
Ele aparentou ficar mais calmo quando eu devolvi o pedaço de pano ao chão. O camundongo segurou o pedaço de pão e começou a comer, então achei que poderia continuar a falar:
- Eu imaginava como seria sofrido para todos nós se a chuva resolvesse  transformar tudo num grande rio. As mãos ficariam enrugadas e todos teriam de usar roupas molhadas com cheiro de algas. Porém o mais difícil seria conseguir respirar com tanta água no nariz e na boca!
- Ora, mas...(ele mastigava)  eu sei como... fazer isso...
- Então, por favor, me conte! - eu fiquei um bocado ansiosa para saber o segredo.
- Basta (disse depois de uma longa pausa, pois precisou engolir um pedaço do pedaço de pão)... basta você (e meteu novamente outro pedaço do pedaço de pão na boca)...hmm - o camundongo roía demoradamente.
Resolvi esperar em silêncio, quando ouvi a vovó me chamar. Corri para a porta do quartinho:
- Estou aqui! - gritei, descobrindo que não estava mais chovendo.
- Venha comer um pedaço de bolo - ela gritou da cozinha e sua voz parecia bem distante.
Dei meia-volta para perguntar se o camundongo também queria um pedaço de bolo, porém ele não estava mais ali, também não havia mais pedaço de pão e nem a meia.
Antes de atravessar a porta, ainda sussurrei:
- Cuidado com a gatinha lá de fora! - e fui embora.
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